sexta-feira, outubro 19, 2012

I Ching

        É um oráculo muito antigo cujos princípios básicos foram inventados ao que parece, há cerca de três mil e quinhentos anos. Ele pode ser usado de duas formas: uma, mais contemplativa, quando seus elementos servem de suporte a uma reflexão sobre a constituição do universo; e a outra, de natureza prática, em que o oráculo é consultado com vistas a se compreender uma situação particular e a saber como se deve agir nessa situação. O livro já atingira sua forma atual na época de Confúcio (551-479 a.C.). É constituído por uma série de sessenta e quatro hexagramas, figuras compostas por meio de seis linhas, contínuas ou interrompidas (como podem ver na imagem abaixo). Supõe-se que, em seu conjunto, esses hexagramas representem todas as situações possíveis. Cada hexagrama é acompanhado por um texto curto, com frequência metafórico, e existe sobre eles um enorme volume de comentários que se acumularam ao longo dos séculos. Alguns deles, em geral atribuídos a Confúcio ou a seus discípulos diretos, passaram a integrar a obra clássica.

          O oráculo é consultado construindo-se o hexagrama linha por linha, de baixo para cima, a partir de um sistema que faz intervir o acaso - o mais comum é a manipulação de 49 bastonetes, tradicionalmente hastes de milefólio. O hexagrama assim obtido é lido no mesmo sentido em que foi construído. Ele se compõe de dois trigramas , isto é, de dois grupos sobrepostos de três linhas, cada um dos trigramas representando o que denominaríamos uma "força" ou uma tendência constituída do universo. Por sua vez, as linhas (contínuas ou interrompidas) representam os dois princípios básicos, o yin e o yang. A obtenção do hexagrama pode orientar dois tipos de linhas: linhas fixas, chamadas de jovem yin ou jovem yang, e linhas móveis, ou seja, linhas que assumem um valor contrário ao que tinham na origem, o velho yin móvel transformando-se em yang e o velho yang, em yin. Isso gera um segundo hexagrama associado com o primeiro.
       Trata-se, é claro, de apenas uma entre tantas abordagens possíveis. Ela reflete necessariamente as particularidades do autor, suas preferências conscientes ou involuntárias - por exemplo, a constatável preferência por uma leitura "taoista"dos textos, que tende a exprimir os conselhos morais em termos objetivos, assim como uma desconfiança com relação a especulações abstratas ou a especulações que envolvem uma concepção dualista (opondo o espírito à matéria, o bem ao mal, o homem ao mundo, ou mesmo "o interior" psicológico ao "exterior" objetivo). Trata-se de opiniões ou de formas de ver. Não nasceram da prática do I Ching, mas encontraram nela uma grande consolidação. O fato de, na maioria das vezes, se apresentarem sem precauções oratórias não significa de modo nenhum que se atribua a elas um valor absoluto. O sistema do I ching é  suficientemente universal para que todos os ramos de pensamento possam abordá-lo, desde que não se limitem a simples preconceitos e sejam suscetíveis de um constante aprofundamento. 
       No I ching, o que importa não é tanto a interpretação feita, mas o próprio hexagrama, sendo necessário voltar sempre a essa base essencial.


[Trecho retirado do livro "I Ching - Princípios, prática e interpretação" do autor Jean-Philippe Schlumberger]

sexta-feira, outubro 12, 2012

História do mês

          Há muito tempo, na China, vivia um menino chamado Ping, que adorava flores. Tudo o que ele plantava florescia maravilhosamente. Flores, arbustos e até imensas árvores frutíferas desabrochavam como por encanto.
            Todos os habitantes do reino também adoravam flores. Eles plantavam flores por toda a parte e o ar do país inteiro era perfumado.
       O imperador gostava muito de pássaros e outros animais, mas o que ele mais apreciava eram as flores.
           Todos os dias ele cuidava de seu próprio jardim. Acontece que o imperador estava muito velho e precisava escolher um sucessor. Quem poderia herdar seu trono? Como fazer essa escolha? Já que gostava muito de flores, o imperador resolve deixar as flores escolherem. No dia seguinte, ele mandou anunciar que todas as crianças do reino deveriam comparecer ao palácio. Cada uma delas receberia do imperador uma semente especial. – Quem provar que fez o melhor possível dentro de um ano – ele declarou – será meu sucessor. A notícia provocou muita agitação. Crianças do país inteiro dirigiram-se ao palácio para pegar suas sementes de flores. Cada um dos pais queria que seu filho fosse escolhido para ser o imperador, e cada uma das crianças tinha a mesma esperança.Ping recebeu sua semente do imperador e ficou felicíssimo. Tinha certeza de que seria capaz de cultivar a flor mais bonita de todas. Ping encheu o vaso com terra de boa qualidade e plantou a semente com muito cuidado. Todos os dias ele regava o vaso. Mal podia esperar o broto surgir, crescer e depois dar uma linda flor. Os dias se passaram, mas nada crescia no vaso. Ping começou a ficar preocupado. Pôs terra nova e melhor num vaso maior. Depois transplantou a semente para aquela terra escuta e fértil. Esperou mais dois meses e nada aconteceu. Assim se passou o ano inteiro. Chegou a primavera e todas as crianças vestiram suas melhores roupas para irem cumprimentar o imperador. Então correram ao palácio com suas lindas flores, ansiosas por serem escolhidas. Ping estava com vergonha de seu vaso sem flor. Achou que as outras crianças zombariam dele por que pela primeira vez na vida não tinha conseguido cultivar uma flor. Seu amigo apareceu correndo, trazendo uma planta enorme:- Ping, disse ele, você vai mesmo se apresentar ao imperador levando um vaso sem flor? Por que não cultivou uma flor bem grande como a minha?- Eu já cultivei muitas flores melhores do que a sua, disse Ping.- Foi essa semente que não deu nada.O pai de Ping ouviu a conversa e disse:- Você fez o melhor que pôde, e o possível deve ser apresentado ao imperador. Ping dirigiu-se ao palácio levando o vaso sem flor.O imperador estava examinando as flores vagarosamente, uma por uma. Como eram bonitas! Mas o imperador estava muito sério e não dizia uma palavra. Finalmente chegou a vez de Ping. O menino estava envergonhado, esperando um castigo. O imperador perguntou:- Por que você trouxe um vaso sem flor? Ping começou a chorar e respondeu:- Eu plantei a semente que o senhor me deu e a reguei todos os dias, mas ela não brotou. Eu a coloquei num vaso maior com terra melhor, e mesmo assim ela não brotou. Eu cuidei dela o ano todo, mas não deu nada. Por isso hoje eu trouxe um pote vazio. Foi o melhor que eu pude fazer. Quando o imperador ouviu essas palavras, um sorriso foi se abrindo em seu rosto e ele abraçou Ping. Então ele declarou para todos ouvirem:- Encontrei! Encontrei alguém que merece ser imperador! Não sei onde vocês conseguiram essas sementes, pois as que eu lhes dei estavam todas queimadas. Nenhuma delas poderia ter brotado. Admiro a coragem de Ping, que apareceu diante de mim trazendo a pura verdade. Vou recompensá-lo e torná-lo imperador deste país.